sábado, 22 de novembro de 2008

O fim da decada de 80

A década de 80 apresentou-se, para o Brasil, como um período histórico no qual ocorreram várias transformações sócio-econômicas e políticas. Sob o aspecto político, algumas mudanças foram positivas, como a queda do regime militar ditatorial e a aquisição de uma maior liberdade de expressão, organização e direitos democráticos. Do ponto de vista social e econômico, intensificou-se a desigualdade entre as camadas sociais mais extremas, aumentou o número de despossuídos (pobres e indigentes), ao mesmo tempo que os ricos conseguiram acumular uma parcela ainda maior da riqueza produzida. Em termos de desenvolvimento econônimo (Saboia, 1993), a concentração de renda no Brasil, hoje, é a segunda maior do mundo. Para mais da metade de sua população, apenas se socializou a miséria.
Em termos de saúde pública, observou-se, no Brasil, a intensificação das mortes por causas externas de lesões e envenenamentos, ou simplesmente causas violentas (grupo constituído por todos os acidentes, inclusive os de trânsito, suicídios, homicídios e outras violências, sob os códigos E800 a E999 do capítulo XVII da Classificação Internacional de Doenças (CID), 9ª revisão. No período em questão, essas causas assumiram uma importância crescente, passando do quarto para o segundo lugar na mortalidade geral do país, entre o início e o final da década. Em 1989, as mortes violentas perdiam apenas para as doenças do aparelho circulatório (Minayo & Souza, 1993).
O perfil da mortalidade por violência, no Brasil dos anos 80, esteve basicamente composto pela violência no trânsito e pelos homicídios (Souza & Minayo, 1994). Estes últimos foram os grandes vilões e principais responsáveis pelo maior impacto da violência na mortalidade da população brasileira.
Com expressões e significados bastante importantes, variados e controversos, o estudo dos homicídios apenas recentemente veio a ser contemplado pela Saúde Pública em nosso país. Em um levantamento efetuado pelo Centro Latino-Americano de Estudos sobre Violência e Saúde (Claves) (Minayo, 1990), e também no trabalho de Souza (1991), já se detecta a ausência de estudos mais sistemáticos sobre os homicídios entre os profissionais de saúde, embora outras causas menos freqüentes em nossa realidade venham sendo investigadas. A nível mundial, os crescentes índices de homicídios fizeram com que esta problemática passasse a ser encarada como prioritária para a Saúde Pública, assumindo características de pandemia (Edelman & Satcher, 1993).
Agudelo (1989) e Yunes (1993), referem-se à violência como uma questão que deveria ser priorizada pela Saúde Pública, enquanto Minayo (1994) traça uma agenda a ser adotada frente aos agravos à saúde provocados pelas diversas formas de violência. A preocupação destes e outros estudiosos do tema está, hoje, explicitada na elaboração de um plano de ação regional (OPS, 1994), desencadeado pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPS), que propõe conhecer e atuar nas causas da violência, buscando eliminá-las.
O precário conhecimento acerca dos homicídios dificulta as políticas e ações preventivas. Sabe-se que a maioria deles envolve o uso de armas de fogo, que incidem sobre grupos sociais cujo perfil sócio-econômico é menos privilegiado do que o encontrado em outras causas violentas (Mello Jorge, 1988). Entretanto, a real prevalência é desconhecida, existindo falhas consideráveis nas informações sobre incidência. Os dados não são fidedignos o suficiente para informar sobre o tipo de arma de fogo utilizada, as circunstâncias do evento, os agressores e outros fatores.
Nada se sabe sobre os custos diretos e indiretos desta forma específica de violência. Max & Rice (1993), embora chamem de "atirar no escuro" os cálculos dos custos com agravos por arma de fogo, os estimaram em 20,4 bilhões de dólares, nos Estados Unidos, em 1990. Deste montante, 84% foram utilizados em eventos fatais. Despesas diretas com cuidados de saúde foram orçadas em 14 bilhões. Cerca de 1,6 bilhões foram gastos na perda de produtividade causada por doença e desajuste conseqüentes à agressão, e 17,4 bilhões na perda de produtividade por morte prematura. De acordo com estes autores, para cada agravo fatal por arma de fogo há dois que requerem hospitalização e 5,4 não severos o suficiente para serem hospitalizados.
Miller et al. (1993) acrescentam aos custos econômicos os não-monetários, como dor, sofrimento, medo e perda da qualidade de vida. Estes afetam tanto as vítimas diretas quanto as secundárias (membros familiares e aqueles cujas vidas são abaladas pelo crime).
Este artigo vem, portanto, dar uma contribuição à lacuna do conhecimento sobre os homicídios em nosso país. Nele efetua-se uma análise em que se configura a magnitude e as especificidades desta causa de morte. Ao mesmo tempo, tenta-se desvendar as possíveis raízes do problema e apresentar propostas de atuação frente à questão.

MATERIAL E MÉTODO
Analisam-se dados de mortalidade por causas externas em residentes, aprofundando a investigação dos homicídios.
Os dados acerca dos óbitos originam-se de listagens fornecidas pelo Ministério da Saúde e das estatísticas de mortalidade publicadas por esta Instituição. As populações utilizadas nos denominadores das taxas foram estimadas por Beltrão & Pereira (1994).
As informações são analisadas em termos de taxas e mortalidade proporcional, segundo sexos e faixas etárias. São apresentadas tabelas e gráficos para o conjunto do país e para as capitais de regiões metropolitanas.
As mortes por causas externas em geral (códigos E800-E999) são situadas em relação às demais causas de óbito, e os homicídios (códigos E960-E969) são destacados e, por vezes, desdobrados em subgrupos, como os homicídios por arma de fogo (código E965).
Efetua-se, ainda, uma análise da qualidade da informação sobre mortalidade por homicídios, usando como referência as mortes por arma de fogo que se ignora se acidental ou intencionalmente infligidas, aqui denominadas homicídios por arma de fogo ignorados (código E985). Este grupo, especificamente no Rio de Janeiro, produz sérias distorções nas estatísticas oficiais em relação aos homicídios bem-esclarecidos quanto à causa básica de morte. Por fim, são apresentadas uma discussão e propostas de encaminhamento para as questões levantadas.

APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS
Conforme pode ser visto na Tabela 1, as causas violentas, em 1989, vitimaram 102.000 brasileiros, sendo 84.504 homens e 17.385 mulheres. As 111 pessoas restantes não foram identificadas quanto ao sexo. Isso mostra que, em relação às demais causas, as causas violentas ocupam a segunda posição na mortalidade geral do país, com uma proporção de 15,2%, perdendo apenas para as doenças do aparelho circulatório. Em 1980, esta proporção era de 11,8%, situando-se como a quarta causa. Em relação ao sexo masculino, as mortes violentas também encontram-se em segundo lugar, com uma roporção de 21%. Já no sexo feminino, estas situam-se entre as cinco principais causas, com 7% dos óbitos, ocupando a quinta posição, juntamente com as doenças infecciosas e parasitárias

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